Cemitérios de campanha


 Em nossas andanças pelo interior do município e por vezes no nosso vizinho Uruguai, ora em trabalho de reportagem, ora a passeio mesmo, não há como não cruzar por essas curiosas construções. Elas estão lá, na beira de estradas, no alto de coxilhas, em conjunto ou solitárias. São fruto não só dos costumes de uma época que já passou, mas da necessidade que as pessoas tinham de enterrar seus mortos, e como as distâncias e as condições de transporte e estradas eram ainda mais difíceis, o jeito era sepultá-los próximo às casas, às povoações.

 Nesta época, que não é tão distante assim, se olharmos para este costume em termos de humanidade, até os velórios tinham suas características próprias. Geralmente eram realizados nas próprias habitações e as encomendações quase sempre não tinham padres nem sacerdotes. Conta-se que era corriqueiro a participação de carpideiras (mulheres que eram contratadas para chorar nos velórios). O luto era algo muito mais respeitado, se é que essa é a palavra certa, o fato é que costumava-se usar uma faixa no braço ou a roupa preta durante um tempo mais ou menos longo, indicando, assim, que aquela família tinha perdido um ente querido.

 Visto, muitas vezes como um lugar a ser evitado, os cemitérios de campanha guardam mais histórias do que se pode imaginar. Personagens ilustres ou anônimos, donos de sesmarias ou peões ignorados do grande público, estão sepultados em muitas dessas construções. Algumas, modestas, outras, imponentes e de estilo primoroso, denunciando, assim, a classe mais ou menos importante a que pertenceu o finado ou finada.

 Notadamente na metade Sul de nosso Estado, eles podem ser encontrados com maior facilidade, muito embora, existam, também, em bom número por todo o Rio Grande do Sul. Os cemitérios de campanha, fazem, de certa forma, parte da paisagem rural. A maioria está abandonada, mas somente pelos seres humanos. Ao se aventurar por entre os muros ou arredores dessas cidadelas do além, a vida encontra formas de se adaptar. São animais silvestres, enxames de abelha e a própria vegetação que encontra nesse lugar fadado à calmaria, o lugar ideal para viver, procriar e perpetuar sua espécie.

 E por que o abandono? Ao certo não se sabe, mas pode-se, contudo, conjeturar algumas possibilidades. Em primeiro lugar, como dissemos, os cemitérios da zona rural, são um costume de tempos idos, onde a necessidade obrigava as pessoas a sepultarem seus mortos nesses locais, em virtude das dificuldades impostas pelas distâncias e pelos meios de transporte precários de antigamente. Com o passar do tempo, essas mesmas condições foram, como que melhorando, e a necessidade de sepultar as pessoas na campanha diminuiu na mesma medida. Em segundo lugar, os familiares das pessoas lá enterradas foram também, morrendo, e as gerações que se seguiram, ficando cada vez mais distanciadas dos parentes sepultados, foram perdendo o vínculo com estes e o abandono veio como coisa natural. Resultado: cemitérios de campanha condenados à ação do tempo.

Jayme Caetano Braun, poeta gaúcho foi feliz ao compor esta poesia campeira, onde o cemitério de campanha, recebeu de sua inspiração, talvez uma homenagem, talvez uma síntese do que representam essas estruturas fúnebres, marca indelével dos costumes riograndenses. Gravou, ele, em versos as impressões e o respeito e que a gente do campo guarda frente a esses túmulos encravados nos pampas.

 O grande artista gaúcho sintetizou o que realmente significa esta última morada campeira. Na última morada, o acabamento mais ou menos rebuscado dos sepulcros não interfere no processo a que toda a matéria orgânica na natureza está sujeita. Todos sofrerão a ação dos microorganismos e a matéria que um dia deu origem a formação de um corpo humano, agora voltará ao reservatório universal da natureza, e servirá de matéria prima para geração de outras formas de vida. É a lei da vida.

 Por certo o poeta quis dizer que nada na vida, independente da posição em que se esteja, irá influenciar no único destino reservado a toda a criatura. Brancos e negros, pobres e ricos; cultos e incultos, todos irão fatalmente mais cedo ou mais tarde, acabar no endereço final.

 O que será dos cemitério de campanha no futuro, ignoramos. Sabemos que, por enquanto, eles seguem desafiando a ação do tempo, tanto no sentido de período que transcorre, como no sentido do próprio clima, que o castiga dia a dia. A seguir, dividimos com os leitores um pouco do que colhemos nessas andanças que o Folha da Cidade fez nos últimos meses.

Confira a matéria completa na edição do dia 10 de março.

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